terça-feira, 23 de junho de 2009

Semântica

Ciência linguística que estuda as relações das palavras com os objectos por elas designados, ocupando-se de concluir, pelo processo indutivo, quais as leis e de que modo se aplicam aos mesmos.

O termo ‘semantics’ (enquanto ramo da linguística) surge pela primeira vez, em 1894, numa folha da American Philological Association entitulada ‘Reflected meanings: a point in semantics’. A utilização inicial do termo serviu para referir o desenvolvimento e mudança do significado. No entanto, o surgimento da semântica como disciplina autónoma surge, em 1897, data da publicação do Ensaio de Semântica, da autoria de M. Bréal. A reflexão sobre o significado, de facto, sempre suscitou grande interesse pelos linguistas e gramáticos ocidentais. Aristóteles é o primeiro a atribuir o referente ao significado de uma palavra, referente esse que traduz sempre a mesma realidade. J. Locke opõe-se a esta definição, preterindo o reconhecimento do significado com a coisa. Só no século XIX, através de W. Humboldt, o significado passa a ser associado a um elemento da língua. Em oposição a estas teorias, Saussure atribui ao significado um carácter subjectivo e interno: passa a ser encarado como uma entidade pertencente à língua, mudando e definindo-se por ela. Na segunda metade do século XX, os estudos levados a cabo pela semântica modelaram as teorias anteriores, cujos critérios têm a ver sobretudo com a origem das unidades semânticas, as relações entre as mesmas e a disposição semântica dos enunciados.

O estudo da semântica (enquanto estudo do significado) é fundamental para o estudo da comunicação, exigindo esta cada vez mais pesquisa, devido à sua importância na organização social. Assim, o significado, essencial para que as interacções humanas se estabeleçam de forma perfeita, pode assumir diversos aspectos: o conceptual (lógico e cognitivo); o de conotação (referido pelo valor linguístico); o estilístico (perceptível pelas ocorrências sociais); o afectivo (patente nas emoções ou atitudes do escritor/falante); o reflectido (resultante da associação com outro sentido na mesma frase); o de colocação (quando tende a ocorrer noutra palavra); o temático (ilustrativo da maneira como a mensagem é transmitida no que respeita à ordem e à profundidade do assunto explanado).

Como acontece na maior parte das teorias, uma das condições essenciais da semântica resulta da necessidade da mesma ser falsificável para que possa ser empírica. Sendo assim, todas as teorias contrárias devem ser devidamente avaliadas com o objectivo de as falsificar. Para além disso, a teoria semântica deve obedecer a três preceitos: deve compreender a natureza da relação entre os significados; deve saber encontrar ambiguidades, quer em palavras, quer em sentenças; deve explicar as relações que se estabelecem entre palavras e sentenças – no fundo, trata-se das relações de sinonímia, acarretamento, inclusão lógica, contradição, etc. Por outro lado, uma das propriedades gerais que qualquer teoria linguística geral deve apreender consiste no carácter finito do conjunto de sentenças que representa a linguagem. Chomsky foi o primeiro a atribuir esta peculiaridade à linguagem, baseando-se na tarefa censurável do linguista de dar uma mera descrição das sentenças semânticas, sintácticas ou fonológicas. Assim, o mesmo linguista estipulou a possibilidade de um conjunto infinito de objectos ser descrito a partir de um conjunto finito de regras ou enunciados gerais. Quando aplicado à semântica este processo não interfere na atribuição do significado às palavras, porque as linguagens possuem somente um conjunto de palavras cujos significados podem ser referidos numa lista finita.

A teoria semântica descreve e explica o significado dos sons emitidos pelos falantes de qualquer língua. Trata-se de descrições estruturais necessárias e indispensáveis à comunicação oral e escrita. Através dos diversos tipos de semântica, toda a competência linguística é assegurada e sobretudo mantida: a semântica frasal estuda o significado das frases, ou seja, as funções dos seus constituintes; a lexical ocupa-se dos constituintes do léxico, descrevendo as suas relações; a formal analisa sistemas lógicos; a generativa encara a semântica como o princípio da estrutura sintáctica.

Tal como as outras disciplinas linguísticas, a semântica pode ser teórica (se estuda o conceito de significado), histórica (quando analisa o significado diacronicamente), descritiva (sempre que analisa o significado sincronicamente) ou comparativa (quando se opta por relacionar significados). Mas, quando se trata de um termo tão abrangente, como o que caracteriza a semântica, torna-se impossível não referir os ramos em que a mesma se divide. Uma das dessas subdivisões incide na semântica lógica, que estuda o significado, tendo por base a lógica matemática. Passou a ser designada por semântica pura, na continuidade de Carnap, sendo considerado um ramo especializado da lógica moderna.

Em oposição à semântica pura, surge a semântica linguística, a qual pode ser dividida tanto pela sua vertente teórica como pela descritiva. Ao passo que a semântica linguística teórica estuda o significado do ponto de vista da linguagem, já a semântica linguística descritiva tem por objectivo descrever ou investigar o significado das frases e dos enunciados das línguas.

Falar-se-á em semântica gerativa sempre o estudo incide sobre a estrutura interna dos lexemas – juízo defendido por Weinreich (1966) – por reflectirem a estrutura sintáctica das frases e dos sintagmas.

Dado o contínuo estado evolutivo da linguagem nas suas diversas considerações, a semântica diacrónica (ou histórica) estuda de forma atenta as variações linguísticas (social, geográfica e pessoal) e estilísticas, de modo a actualizar a investigação linguística, da qual depende a língua portuguesa. O estudo dos linguistas baseia-se na distinção feita por Sausurre entre a linguística diacrónica e a sincrónica, a a qual estuda a linguagem num determinado período ou época. Assim, os semânticos não só analisam o desenvolvimento e a mudança do significado, mas também a própria etimologia, que muitas vezes se torna essencial para um estudo mais aprofundado do termo em questão.

Uma das grandes dicotomias discutidas pelos linguistas e lógicos associa-se à natureza das regras semânticas e a relação entre as propriedades semânticas e as sintácticas de uma linguagem. Na opinião dos lógicos, a explicação sintáctica de uma linguagem associa-se à designação das formas lógicas de uma linguagem, isto é, a sintaxe das linguagens formais, bem como das linguagens naturais, conduz à formulação de generalizações semânticas. Os linguistas, pelo contrário, defendem a exposição do método estrutural na apresentação dos itens lexicais para formar sentenças como explicação sintáctica. De forma concomitante, a formulação das próprias representações semânticas começou a suscitar maior interesse nos linguistas, passando a rejeitar os princípios que as explicam.

No que diz respeito à análise dos psicólogos, a mesma difere em larga medida. Charles Morris autor de Signs, Language and Behaviour, foca a sua atenção nos signos e no seu significado. C. E. Osgood, G. J. Suci e P. H. Tannenbaum, na obra The Measurement of Meaning, tal como o próprio título indica, tentam ‘medir’ graus Do sentido. No entanto, o linguista interessa-se mais pelos acontecimentos quotidianos e a linguagem neles empregada do que pelas experiências psicológicas marcadas pelo artificialismo. Quer o filósofo quer o linguista recusam a linguagem observável, apesar de recorrerem a modelos aparentemente assentes na matemática. Quando se distingue ciência e filosofia da ciência, as diferenças tornam-se evidentes: o cientista explica os objectos do seu estudo estipulando regras científicas para os mesmos; ao filósofo cabe a tarefa de explicar como as teorias podem ser perceptíveis por si só.

A semântica influencia ainda o estudo da mente humana, no que diz respeito a processos mentais ou cognitivos, que estão intimamente ligados à maneira como classificamos a própria experiência no mundo, através da linguagem.

Bib.: S. Ullmann: Semantics: An Introduction to the Science of Meaning (1964); G. N. Leech: Semantics (1974); Ruth M. Kempson: Semantic Theory (1977); John Lyons: Semantics (1977); J. D. Fodor: Semantics: Theories of Meaning in Generative Grammar (1977); F. R. Palmer: Semantics a new outline (1979); H. C. Campos e M. F. Xavier: Sintaxe e Semântica do Português (1991); Angelika Linke, Markus Nussbaumer, Paul R. Portmann: Studienbuch Linguistik (1996); Monika Schwarz e Jeanette Chur: Semantik (2001).

Ana Rita Sousa (http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/S/semantica.htm)

domingo, 21 de junho de 2009

Fundamental ler

domingo, 4 de janeiro de 2009

Semiótica

A semiótica estuda os modos como o homem dá significado ao que o rodeia.

Na moderna acepção, desenvolvida por Charles S. Pierce , a semiótica é a doutrina dos signos, tendo por objecto o estudo da natureza, tipos e funções de signos. Devido aos desenvolvimentos das últimas décadas na linguística, filosofia da língua e semiótica, o estudo dos signos ganhou uma grande importância no âmbito da teoria da comunicação. Basicamente, um signo é qualquer elemento que seja utilizado para exprimir uma dada realidade física ou psicológica; nesta relação, o primeiro funciona como significante em relação à segunda, que é o significado (ou referente); as relações entre significantes e significados podem ser de 2 tipos: denotação e conotação .

Um som, uma cauda de cão a abanar, um sinal de trânsito, um punho erguido, um caractere escrito são exemplos (entre outros possíveis) de signos; é importante realçar que os signos por si próprios nada significam, para se tornarem compreensíveis pressupoem a existência de um código que estabeleça, dentro duma dada comunidade, a totalidade das relações entre significantes e significados, por forma a tornar possível a interpretação dos signos . Desta forma, cada comunidade desenvolve os seus sistemas de signos e respectivos códigos, por forma a viabilizar a comunicação entre os seus membros; à medida que se vai subindo na cadeia biológica as necessidades de comunicação vão-se intensificando, o que se reflecte naturalmente em sistemas de signos e códigos de comunicação cada vez mais sofisticados.

Muitos códigos têm sido estabelecidos dentro das sociedades humanas, destacando-se como os mais importantes os códigos da língua (falada e escrita) e os códigos não verbais (movimentos e posturas do corpo, indicações vocais e paralinguísticas, ,jogo fisionómico, aparência física, contacto, factores ambientais e espaciais); a criação dos signos não verbais foi anterior à criação dos signos verbais, sendo as duas formas de comunicação inseparáveis . Em semiótica, de acordo com a divisão feita por C.W.Morris , os signos são estudados em três níveis:

1) sintáctico (analisa a estrutura dos signos, o modo como se relacionam, as suas possíveis combinações, etc)

2) semântico (analisa as relações entre os signos e os respectivos significados)

3) pragmático (estuda o valor dos signos para os utilizadores, as reacções destes relativamente aos signos, o modo como os utilizam, etc).

Existem numerosas classificações de signos na literatura científica; na sua diversidade, os signos fornecem os meios para definir ou referir tudo aquilo que apreendemos através dos sentidos, bem como o que pensamos, sabemos, desejamos ou imaginamos; os signos permitem a conceptualização (a formação de uma ideia sobre uma realidade não presente),influenciam fortemente o comportamento humano, bem como a nossa percepção do mundo (sendo provável até que estejam na origem do acto de pensar)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Design no século XXI - Uma entrevista com Bernhard E. Bürdek




Na véspera da conferência de Bernhard E. Bürdek “Design no Século XXI”, que teve lugar por ocasião do lançamento do Prémio de Design CIFIAL’08 – “Sentir o Planeta Terra”, Katja Tschimmel conduziu com este reputado teórico do design uma entrevista, cujo tema foi o papel que o design presentemente detém na sociedade, e qual o que poderia vir a ter no futuro.
O pano de fundo desta conversa foi a relação dúplice entre duas tendências distintas no design actual: a primeira que considera o design como uma actividade superficial, que se ocupa sobretudo com estilos de vida e modas temporárias; e uma segunda tendência que vê no design uma disciplina que deve ser levada a sério e que contribui para que os novos produtos e processos tecnológicos sejam melhor entendidos pelo utilizador.

Katja Tschimmel (KT)
Bernd, conhecemo-nos em 1998, na 2.ª Conferência Europeia sobre Design, em Potsdam, que teve o auspicioso título de “Visões Futuras para o Design”.
Nessa ocasião, na tua intervenção “Sobre a perda de utopias no design”, defendeste a ideia de que o design dos anos 1990 tinha sido marcado sobretudo por uma arbitrariedade decorativa e pela banalidade.
Como vês a situação hoje, passados dez anos? O que mudou?

Bernhard E. Bürdek (BEB)
Olhando assim para trás, quase me apetece dizer que está tudo muito pior. Nos últimos anos, o design desenvolveu-se em duas linhas essenciais: uma que está ligada a um certo Lifestyle, podemos chamá-la assim, onde se enquadram todos os projectos difusos de móveis, decoração, jóias, etc. – que também têm a sua importância, isso não está em questão –, mas que determina, e é isso que eu acho terrível, de modo decisivo e unilateral a imagem do design na opinião pública. Hoje em dia não se pode abrir uma revista sem se ser confrontado, de alguma forma, com design: uns quantos móveis enviesados, alguns objectos estranhos e a tudo isso se chama design. E a meu ver, isso é um completo desastre. Por outro lado, o que se passa é isto: quando alguém se ocupa um bocadinho mais com ciência e investigação, descobre que vivemos numa época de um imenso dinamismo, basta pensar em tudo o que tem a ver com biotecnologias, nanotecnologias, com robótica e life sciences, e aí há novas e extensíssimas áreas de trabalho para os designers. Não a embelezar as coisas, mas no sentido de esclarecer, de tornar compreensível, de interpretar as tecnologias. É um campo muito vasto, mas que é praticamente desconhecido da opinião pública. Ou seja, os designers são sempre vistos como aqueles que tornam alguma coisa mais bonita e, claro, depois é relativamente complicado quando nos encontramos com colegas de outras disciplinas; demora sempre imenso tempo até conseguirmos tornar claro o que é de facto o design, o que pode oferecer, que contributo pode dar em problemas fundamentais. No início, somos olhados um bocado de lado e é necessária uma enorme capacidade de persuasão para se ser levado a sério. Ou seja, naturalmente que o design existe como disciplina séria, mas infelizmente existe em muito maior quantidade aquilo que podemos designar como a tendência lifestyle, o que acaba por ser contraproducente para a disciplina design.

KT
E como se deveria lidar com esta situação, especificamente na área da formação em design? Os alunos chegam às escolas de design justamente com essa imagem de lifestyle e depositam no curso as expectativas correspondentes.

BEB
Sim, isso é uma questão difícil.
Há vinte anos tivemos o grande boom do design de automóveis. Os candidatos ao curso de design chegavam às universidades e escolas superiores com as pastas cheias de desenhos de automóveis. Isso agora acalmou. A situação actual pode muito bem ser descrita com a seguinte frase irónica: “carpinteiro fui outrora, designer serei agora”. Porque quando se tem esse pano de fundo, quando se está habituado a fazer as coisas na prática, o passo seguinte para o design parece então muito fácil. Digamos, faço bricolage lá em casa, desenho uns esboços bonitinhos, e pronto, já sou designer; porque é essa a imagem que os meios de comunicação projectam e isso é fatal. Porque isso são apenas modas e tendências passageiras, que hoje estão in e amanhã estão out, e é algo contra o qual temos lutado na Escola Superior de Design de Offenbach.

KT
Desde a década de 1970 até aos anos 1990, o discurso teórico sobre o design transmitiu frequentemente a ideia de que o designer, como alguém que resolvia problemas, poderia resolver “todos os problemas do mundo”. Hoje em dia, se esta imagem acaso ainda subsiste, isso acontece apenas parcialmente.
Que papel pode ter o design na sociedade, se pretendermos atribuir ao designer uma função mais importante do que a do estilista?

BEB
Voltando aos termos que mencionei há pouco, biotecnologia, nanotecnologia, robótica, life science, creio que tudo isso são áreas altamente tecnológicas que necessitam de ser traduzidas. O que é que estas tecnologias proporcionam realmente ao utilizador? Para que servem? Aí está uma área onde se poderia praticar design de forma séria, no sentido da resolução de problemas. A dificuldade reside na ausência de clareza da técnica, que cabe ao design traduzir e tornar clara para o utilizador. E é sabido que se trata de um campo vastíssimo, mas, naturalmente, não é muito atractivo para os meios de comunicação. E é por isso que, na grande maioria dos casos, os estudantes nos chegam com ideias preconcebidas, ou seja, abrimos as pastas de desenho e saem de lá todos estes projectos de móveis e de candeeiros, que na realidade são abomináveis.

KT
Na verdade, estamos a falar indirectamente da função e da importância do design. Será que a disciplina “design” não é também, em si mesma, resultado de um processo de design, ou seja, um processo de criação e de configuração no sentido evolucionário? Porque a imagem da disciplina “design”, ela própria, também se transforma e é co-determinada através das imagens da opinião pública, das revistas, dos eventos, etc.

BEB
Certamente, mas há que dizer também que muita coisa se corrompe porque se procura um efeito imediato. Quanto mais espectacular é um produto, quanto mais berrante é a forma como se apresenta, tanto mais depressa o designer chega aos meios de comunicação. Já assistimos a tudo isto nos anos 1980, quando surgiu, por exemplo, o “Novo Design Alemão”. As revistas estavam cheias de objectos estridentes e enviesados, pelos quais ninguém dava nada meio ano depois. Só serviam para se chegar aos meios de comunicação, para se tornar conhecido – e hoje estamos a viver a mesma situação. Estou a pensar por exemplo, nas feiras de mobiliário de Milão, umas atrás das outras, e tudo o que é apresentado são modas muito efémeras.

KT
Sobre o “Novo Design Alemão” ocorre-me um exemplo bastante positivo, o caso de Ingo Maurer, que em tempos também fez parte desse movimento e que posteriormente, através do emprego de novas tecnologias, se desenvolveu extraordinariamente.

BEB
Foi de facto nessa época que o Ingo Maurer se tornou conhecido, mas ele trabalhou desde o início muito conscientemente na área da iluminação: projectos muito experimentais mas sempre tendo em vista a sua produtibilidade. E é por isso que a sua empresa tem hoje tanto sucesso. Sempre desenvolveu os objectos até se tornarem produtos em série. E foi esse factor que faltou muitas vezes ao “Novo Design Alemão”. Por isso posso compreender que muitos estudantes procurem acompanhar esta onda, porque ao fazer coisas berrantes e esquinadas têm a esperança de ser descobertos por alguém. No entanto, isso é bastante improvável.

KT
A tua comparação “de carpinteiro a designer” não se aplica a Portugal (pelo menos, eu não conheço nenhum carpinteiro que mais tarde tenha feito um curso de design). Sobretudo, o mercado de design de mobiliário e de produto é aqui naturalmente muito mais pequeno do que na Alemanha. Mas apesar disso, também aqui existe a ideia de que o design é algo de apelativo e sofisticado. A culpa é talvez dos muitos eventos na área do design de interiores, e também na área das formas de expressão digital. Desde mostras como a ExperimentaDesign em Lisboa ou o Oporto Show, o design é um tema popular para os meios de comunicação e para a opinião pública, o que contribui para que seja dada mais atenção à disciplina e para que o conceito de design seja difundido. Infelizmente, estes eventos também contribuem para que a opinião pública tenha uma imagem muito limitada de design: a imagem do lifestyle e de “objectos de design” elitistas.
Qual é a tua opinião sobre eventos como o “Sábado de Design” de Düsseldorf, o “Maio de Design” de Berlim ou a ExperimentaDesign de Lisboa?

BEB
Naturalmente que são importantes para a divulgação do design. Mas creio que assistimos actualmente a uma verdadeira inflação destes eventos. Cada cidade procura ter a sua feira de design ou instituir o seu próprio evento de design, e isso ainda é importante. Mas este trabalho de relações públicas já dura há vinte anos e o que é desastroso é que depois acaba tudo em galerias e boutiques, o que acaba por ser contraproducente em relação aos clientes de poderiam encomendar projectos e para quem o design deveria ter um papel importante. Não se é levado a sério.
Digamos que por um lado todas estas mostras são importantes, por outro têm um efeito negativo, porque há que perguntar: o que é que fica após um evento como a ExperimentaDesign, o que vem depois? São dois ou três dias muito agradáveis, que têm enormes custos para o erário público, que talvez até atraiam uns quantos turistas, mas o que é que isso representa para os protagonistas? Que projectos surgem na esteira do evento? Haveria que desenvolver alguns estudos económicos para determinar, por exemplo, qual é o retorno do investimento. Mas há também o interesse das cidades, que vêm os eventos de design como um incentivo ao turismo. Dessa perspectiva, é óbvio que estas mostras têm consequências económicas, mas talvez muito diferentes daquelas que os designers imaginaram.
Incentivar o turismo é positivo, mas não creio que isso traga grande coisa para a disciplina design. Por ocasião da Feira Internacional de Mobiliário de 2008 em Milão, houve cerca de 150 eventos paralelos, e todos tinham a mesma finalidade: chamar de alguma forma a si a atenção de visitantes e produtores. Não sei em que medida é que isso tem depois consequências, tenho simplesmente as minhas dúvidas. Também não acredito que os produtores de móveis se desloquem a esses eventos para andar por ali à procura de talentos, penso que o processo se desenrola de outra maneira.

KT
Regressemos ao tema das utopias perdidas: há relativamente pouco tempo, num artigo no Formdiscourse (na Form n.º 217, 2007), Michael Erlhoff, Professor na International School of Design em Colónia, encorajava a que se formulassem de novo utopias no design – mesmo que muitas já tenham falhado –, uma vez que os designers têm uma palavra a dizer sobre os processos sociais e contribuem extraordinariamente para a qualidade de vida da sociedade através das suas criações e configurações.
Ainda acreditas em utopias no design?

BEB
Não, hoje já não. De verdade que não.
O tema das utopias teve início nos anos 1960 em Itália, com o Design Radical, ou seja, pessoas como Paolo Deganello, Adolfo Natalini, Andrea Branzi e outros, desenvolveram utopias sociais e a partir daí produziram projectos arquitectónicos ou de design para visualizar essas utopias. Isto prosseguiu até aos anos 1970. Com o início do pós-modernismo, o conceito de utopia social perdeu-se. O que Michael Erlhoff escreve é-me de facto simpático, mas não há qualquer base para o que afirma. Já não há hoje quaisquer utopias que possam ser desenvolvidas a partir do design.
Talvez haja na arquitectura. Grupos como, por exemplo, o Büro Coop Himmelblau, de Viena, desenham utopias há vinte anos e actualmente vêm os seus projectos ser realizados. E neste momento estamos sentados diante da Estação do Oriente do Calatrava, e Calatrava é também utopia de espaço, de forma, mas utopias que neste momento são construídas. Creio que a arquitectura conseguiu, de facto, nos últimos dez ou vinte anos propor contributos reais nesse campo. Ou pensemos ainda no que os gabinetes de arquitectura internacionais estão neste momento a fazer na China (infelizmente, só conheço esses projectos através da imprensa), planear inteiras zonas urbanas, não podemos negar que há aí algo de utopia. E isso, há que afirmá-lo, é algo que não vejo neste momento no design, e as palavras pias do Sr. Erlhoff não ajudam em nada. Simplesmente não existe uma base para isso. Não há um discurso social coerente e racional sobre o design, pois este caiu tanto na moda que ninguém tomaria a sério utopias sociais que eventualmente tentasse impor.

KT
Olhando para as numerosas definições de design, encontramos vários autores que consideram a arquitectura parte do design e que vêm na dimensão e na escala dos projectos a única diferença.
Na tua perspectiva, o que distingue os arquitectos dos designers? Porque é que os arquitectos ainda podem imaginar mundos utópicos, e até realizá-los, enquanto os designers alimentam sobretudo tendências da moda?

BEB
É claro que há uma diferença. Não é em vão que a arquitectura já foi chamada “a mãe de todas as artes”. Os arquitectos têm uma perspectiva mais complexa das coisas. Analisam profundamente modos de comportamento, hábitos, estruturas sociais e tecnológicas, e processam tudo isso nos seus projectos.

KT
Mas, no fundo, os designers também, pelo menos quando consideramos os conteúdos disciplinares do design.

BEB
Creio que foi isso justamente o que se perdeu através da enorme influência dos meios de comunicação social.

KT
Talvez a razão resida também na diferença de duração da formação: enquanto o curso de design tem agora apenas três anos, a arquitectura continua a ser um curso de cinco anos.

BEB
Sim, talvez. Mas possivelmente estou um pouco pessimista, pois neste momento não vejo quaisquer indícios, em parte alguma, por onde se possa começar a desenvolver, ainda que de forma rudimentar, um conceito de utopia como o que mencionaste. O que temos no design, infelizmente, são projectos muito efémeros, que já não antecipam nada.

KT
Falemos agora do Prémio de Design CIFIAL’08, afinal a razão pela qual estás neste momento em Portugal. Não será um concurso intitulado “Sentir o Planeta Terra” uma utopia, condenada à partida ao insucesso – quero com isto dizer que a hipótese de "salvar" o planeta através do design parece condenada ao fracasso –, ou achas que a atribuição de um prémio sob este lema pode contribuir para identificação de problemas físicos e simbólicos da nossa civilização, e eventualmente também para a sua correcção? O regulamento afirma que o Prémio deverá contribuir para que a disciplina design procure “soluções inovadoras sobre o modo como o Homem se relaciona com o seu Meio”. E por esse motivo, todos os anos será proposta uma nova área civilizacional para cada edição do concurso; este ano são as “fontes de energia renováveis”.

BEB
Sim, creio que um concurso como este pode suscitar esse tipo de contributo.
Por outro lado, há naturalmente que ter em conta as limitações do contributo possível do design para temas globais tão abrangentes. Aquilo que eu vejo actualmente, e que o design faz de forma muito positiva, é uma quantidade de designers que estão a dar forma a processos semióticos. Através do seu trabalho, permitem a comunicação entre utilizador e produto. Para além disso, procuram representar valores sociais também como valores semânticos e incorporá-los nos processos de design. Creio que hoje em dia já temos os instrumentos e os métodos para o poder fazer de forma credível. “Salvar o mundo”, creio que é pedir demasiado ao designer, e um concurso assim só pode tornar-se credível – sem conhecer agora quaisquer pormenores – quando no seu âmbito forem desenvolvidos projectos que apresentem soluções em áreas visíveis, soluções que sejam em parte afirmações incisivas comunicadas de modo significativo.

KT
O Regulamento do concurso lançado pela CIFIAL prevê que sejam propostos não apenas produtos, mas também processos, serviços ou até dissertações sobre o tema. Com isto o concurso posiciona-se numa perspectiva sobretudo social-ecológica e não meramente económica.

BEB
Sim, creio que isso é na verdade um aspecto muito positivo.

KT
E ocorre-me um comentário teu, que proferiste em tempos sobre a atribuição de prémios de design, nomeadamente que os produtos distinguidos em concursos de design, na grande maioria dos casos, degeneravam para o “financiamento e decoração do evento”.
Na tua opinião, como deveria estar delineado e estruturado um concurso de design de modo a contribuir para o desenvolvimento da disciplina “design” a nível prático, mas também a nível científico?

BEB
No final dos anos 1980, houve um modelo muito interessante proposto pelo Centro de Design de Essen, em conjunto com o estado da Renânia do Norte-Vestfália, em que o regulamento não estava feito no sentido de um concurso, mas antes organizado como uma espécie de Call for Paper. Eram apresentados esboços de projectos sobre determinados temas e as equipas de design seleccionadas eram então encarregadas de desenvolver formal e conceptualmente o projecto que propunham. Para isso recebiam cerca de 50.000 marcos. Eu fiz parte do júri. O resultado eram 6 ou 8 conceitos completamente elaborados. Esse modelo era muito produtivo, porque os temas propostos eram verdadeiramente trabalhados em profundidade. Aquele financiamento permitia que os projectistas se dedicassem seriamente a desenvolver a sua proposta. O problema dos concursos de design é que, frequentemente, os fundos envolvidos são aplicados nas relações públicas da iniciativa, o que é completamente legítimo. Mas perante esta quantidade de concursos de design, há apenas uns quantos grupos de designers que se podem permitir dedicar-se especificamente a um tema. A maior parte das vezes, envia-se qualquer coisa que se acabou de fazer. E o modelo que descrevi, e que foi praticado ainda durante alguns anos, era verdadeiramente produtivo. Mesmo no que diz respeito às áreas de design de processo, design de serviços até às dissertações, como acabaste de mencionar, podia-se realmente produzir um bom trabalho e os resultados eram dignos de ser mostrados em público. O júri reunia durante um dia inteiro, falava-se sobre os seis projectos, e não sobre seis produtos. E sobre esses seis projectos discutia-se, debatia-se e era possível escolher um vencedor de forma sensata. Era um modelo diferente, a que na altura dei muito valor, e que terminou por motivos que desconheço.
A maioria dos actuais modelos de concurso têm como resultado que seja proposto um enorme número de objectos casuais e para o júri é muito difícil seleccionar entre tudo isso alguns produtos. E a quantidade de concursos de design! Às escolas superiores alemãs chegam todos os dias dois novos concursos de design, o que é um desastre.

KT
Mencionaste o tema da investigação. A minha última pergunta centra-se na investigação através do design (por oposição à investigação no design). Na tua perspectiva, em que áreas deveriam os designers participar em projectos de investigação científica? E digo “participar”, porque creio que os designers, e os seus conhecimentos específicos (como a linguagem de produto ou a metodologia de projecto), ainda são insuficientemente integrados em grupos de trabalho multidisciplinares, ao contrário do que acontece com os engenheiros, por exemplo, que podemos encontrar em todos os domínios.

BEB
Justamente, esse é o tema: conhecimento disciplinar! Como é que se pode integrar conhecimento disciplinar em projectos interdisciplinares?
Há uma pergunta que coloco sempre a todos os designers que trabalham em equipas inter e multi e meta e sabe-se lá que mais: “Qual é afinal o contributo do design?”, porque na realidade eu não o vejo, ele perde-se no meio de todo aquele metadiscurso. Se pretendemos estabilizar socialmente o design, no sentido de uma comunidade científica, se queremos verdadeiramente transformar o design numa disciplina, então é necessário tornar de alguma forma explícito o saber dos designers e integrá-lo nos projectos.
E estávamos precisamente neste ponto: trata-se de comunicação, de importância, de interacção: quando olhamos para o que se passa actualmente ao nível dos aparelhos digitais, vemos que há muito a fazer. É necessário perguntar uma vez mais, que capacidades podem os designers oferecer? E quando estes conseguirem transmitir o seu saber específico de modo credível, então também serão integrados em projectos complexos.

KT
Muito obrigada, Bernd, pelos teus comentários e ideias tão estimulantes. Só posso desejar que o público e os empreendedores portugueses tenham alargado um pouco a sua perspectiva do design como disciplina, e dêem aos designers de produto a hipótese de integrar os seus conhecimentos em áreas diferentes e mais complexas do que apenas o mundo da decoração de interiores.

[Tradução do alemão de Cláudia Gonçalves.]



Bernhard E. Bürdek é designer, consultor, professor e autor de design.
Lecciona na Hochschule für Gestaltung Offenbach am Main as disciplinas Teoria do Design, Metodologia de Projecto e Design Estratégico no Departamento de Design de Produto, onde foi director entre 2001 e 2007. Foi professor convidado em muitos países em Europa, América e Ásia. É autor de vários livros, entre eles a famosa obra Design. History, Theory and Practice of Product Design que em 2006 foi traduzida para o português numa versão actualizada. Bernhard E. Bürdek foi um dos últimos alunos da legendária Escola de Ulm.

Bernhard E. Bürdek
História, Teoria e Práctica do Design de Produtos
São Paulo 2006 (Editora Edgard Blücher Ltda)
ISBN 85-212-0375-6


Katja Tschimmel é investigadora, formadora, consultora e autora nas áreas de Design e Criatividade. É professora na Escola Superior de Artes e Design em Matosinhos (ESAD) e no Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico (MIET) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Materialismo digital





































































































































































































































Materialismo digital (continuação)


























































































































































Materialismo digital (continuação)
















Materialismo digital (conclusão)